Numa altura em que a nossa, como muitas das autarquias deste país, aderiram, lamentavelmente, à ficção já do conhecimento geral que é a transparência da res publica, começo por felicitar a louvável iniciativa e propósito do “Praça do Município” para abordar a actividade dos órgãos autárquicos concelhios.
De facto, não só é público como ostensivamente notório que, quando é possível, o acesso às entranhas das decisões públicas, é um inferno burocrático meticulosamente talhado para afastar os olhos dos cidadãos e inviabilizar qualquer escrutínio mais próximo da actividade governativa aos mais diversos níveis, seja do poder central seja do poder local.
Parabéns pois, “Praça do Município”, pela disponibilidade em surgir com o propósito de dar a conhecer tudo quanto envolva a realidade do município, disponibilidade este credibilizada pelo facto de o primeiro artigo ter como autor o líder de bancada do PSD na Assembleia Municipal.
Avanço com estas notas preambulares, para dizer que me associo ao convite do “Praça do Município” para prossecução do grande objectivo que é o engrandecimento do nosso concelho; fá-lo-ei, assumindo o compromisso de trazer aos leitores do “Praça do Município”, tudo o que de essencial se passa nas reuniões da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro e que, vá lá saber-se porquê, há quem não queira ver exarado nas actas: serão, por assim dizer, intervenções que se constituirão como verdadeiros apensos às ditas.
Dispõe a lei que, de cada reunião é lavrada acta, que contém um resumo do que de essencial nela se tiver passado, indicando, designadamente, a data e o local da reunião, os membros presentes e ausentes, os assuntos apreciados, as decisões e deliberações tomadas e a forma e o resultado das respectivas votações e, bem assim, o facto de a acta ter sido lida e aprovada; por opção do executivo no poder, as actas são exaradas omitindo completamente os resumos do que de essencial se passa nas reuniões, seja ao nível das intervenções mantidas durante a apreciação dos assuntos, seja ao nível das declarações de voto.
Se sobre o que é dito nas reuniões a directriz foi diktada desde o início deste mandato, já em relação à inclusão de declarações de voto nas actas, a questão reveste contornos absolutamente inauditos. É que, até à realização da 5ª reunião (em 10 de Dezembro de 2009), nunca o Senhor Presidente da Câmara se havia oposto à inclusão das declarações de voto nas actas; foi apenas na 6ª reunião (18 de Dezembro de 2009) que depois da apreciação e votação das Grandes Opções do Plano e Orçamento para 2010 e do Mapa de Pessoal, o Senhor Presidente da Câmara diktou que a partir dessa data, as declarações de voto deixariam de ser consignadas em acta, podendo apenas ficar como documentos apensos às mesmas e destas fazendo parte integrante.
Tratou-se de uma decisão individual, que em 28 de Janeiro de 2010 viria a ser colegialmente sufragada pela maioria social democrata, com os votos contra do subscritor e da vereadora Lília Ana Águas e com a abstenção do vereador Henrique Tomás, tal como pode ver aqui. É que, apesar de pouco perceptível, não é nada subtil a diferença entre a consignação de uma declaração de voto na própria acta ou a sua aceitação como mero documento apenso à acta: e como nenhum dos documentos ditos apensos às actas são divulgados e tornados públicos, designadamente através da sua colocação no próprio site do município, facilmente se percebe que a redução de uma declaração de voto a mero documento apenso à acta, é uma forma dissimulada de a excluir da própria acta.
É sabido que há quem entenda a legalidade como uma obsessão; mas só pensa assim quem não sabe, nem quer saber, que quem ocupa um cargo num órgão autárquico, seja executivo seja deliberativo, não tem apenas que levantar o dedo para votar; quem pensa assim, não sabe nem quer saber que os eleitos locais têm um estatuto que lhes atribui direitos e impõe deveres, e que em matéria de legalidade estão obrigados e observar escrupulosamente as normas legais e regulamentares aplicáveis aos actos por si praticados ou pelos órgãos a que pertencem, e a cumprir e fazer cumprir as normas constitucionais e legais relativas à defesa dos interesses e direitos dos cidadãos no âmbito das suas competências.
Em Portugal, as últimas coisas deste género aconteceram já lá vão quase 36 anos e com esta deliberação, a maioria no poder passou uma esponja pelo quadro democrático que o município vive desde Abril de 1974; ao obstar a que sejam tornadas públicas as razões das respectivas opções de voto, a maioria no poder mais não visou do que ofender e diminuir os direitos dos vereadores da Oposição.
Se é recorrente que quem perde eleições democráticas, abandone ou altere as regras do jogo, só um tique de ditadura pode explicar que também há quem adopte esta atitude mesmo depois de ganhar as eleições e, pior que isso, tendo logrado aumentar substancialmente a vantagem.
Para que conste, quando em 18 de Dezembro de 2009 me foi vedado o direito de ver consignado na acta propriamente dita a minha declaração de voto, manifestei a minha oposição à imposição dessa nova regra; e concluí dizendo que se o poder impunha o exercício de novas regras, eu também não prescindia do exercício desse direito - por isso mesmo, no final da reunião recusei-me a assinar a documentação relativa às Grandes Opções do Plano e Orçamento para 2010, e a acta propriamente dita.
Como se já não bastasse aquele dikto de há menos de meio ano, que sugeria a suspensão da democracia portuguesa por 6 meses, eis que em Oliveira do Bairro a fatalidade da história foi rompida com a chegada de quem, sem esperar pelo nevoeiro, resolveu dilatar amplamente o prazo dessa suspensão numa soalheira tarde de inverno!!!
Jorge Mendonça
(vereador não-executivo da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro)